A POSSIBILIDADE DE INCLUSÃO DE TODOS OS CRÉDITOS DERIVADOS DE ADIANTAMENTO SOBRE CONTRATO DE CÂMBIO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
A POSSIBILIDADE DE INCLUSÃO DE TODOS OS CRÉDITOS DERIVADOS DE ADIANTAMENTO SOBRE CONTRATO DE CÂMBIO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
THE POSSIBILITY OF INCLUSION OF ALL CRÉDITS FROM ADVANCE OF EXPORT CONTRACTS TO THE EFFECTS OF THE JUDICIAL RECOVERY PROCESS
Xxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxxxx, acadêmico do curso de Direito do Centro
Universitário Curitiba – UNICURITIBA.
Resumo: O artigo busca discutir se é possível a inclusão de todos os créditos derivados de Adiantamento sobre Contrato de Câmbio – ACC – perante os efeitos da recuperação judicial, por intermédio de cláusula contida no plano de recuperação judicial e, neste caso, estaria dentro dos limites de legalidade do próprio plano
Abstract: The article seeks to discuss wheter it is possible to include all credits derived from Advance on Exports Contract – ACC – in view of the judicial recovery process, through a cláuse contained in the judicial reorganization plan and, in this case, it was within the limits of legality of the plan itself.
1. INTRODUÇÃO
Através do presente artigo, busca-se estudar se no processo de recuperação judicial, os créditos derivados de adiantamento sobre Contrato de Câmbio – ACC –, os quais detém, analisando a operação como um todo, são segregados entre extraconcursais e concursais, poderão ser submetidos, por inteiro ao Plano de Recuperação Judicial – RJ -, a fim de alcançar um tratamento único nesta espécie de processo de insolvência.
Nesse contexto, será estudado, quais destes créditos estão ou não sujeitos aos efeitos da RJ, a razão pela extraconcursalidade ou concursalidade de tais créditos, de acordo com a interpretação legal, doutrinária e jurisprudencial, objeto do primeiro capítulo.
Em segunda análise, compreendida a motivação por detrás da extraconcursalidade parcial de tais valores, passar-se-á a dispor, qual é o objetivo geral de submissão dos créditos junto aos efeitos do processo de soerguimento, dentro de uma análise do objetivo do processo de recuperação judicial.
Em sequência, no terceiro tópico do presente estudo, a matéria enfrentada, dentro do objetivo do processo de recuperação judicial, de que forma o Plano de Recuperação Judicial detém importância para o alcance do objetivo desta espécie de processo e quais são os limites de disposições que as partes podem incluir no PRJ.
A partir desse estudo, espera-se chegar a conclusão sobre a legalidade de inclusão, por meio do PRJ, de todos os créditos derivados de Adiantamento Sobre Contrato de Câmbio.
Para tanto, utiliza-se do método dedutivo a fim de enfrentar o problema proposto, por intermédio de pesquisa bibliográfica precedentes e análise dos dispositivos contido da Lei de Recuperação de Empresas e Falência – LREF.
2. O ADIANTAMENTO SOBRE CONTRATO DE CÂMBIO NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
2.1 Conceito e Créditos.
O contrato de Adiantamento sobre Contrato de Câmbio, daqui em diante, denominado apenas por sua sigla: ACC, é espécie, sui generis do regramento sobre os contratos de Câmbio em Geral.
Isso porque, conforme extrai-se da própria conceituação da operação econômica contida nesse tipo de Contrato, contida, por excelência, na Circular de nº 2.2311 de 25/09/1992 do Banco Central do Brasil – BACEN - ,é espécie de Contrato que visa a venda de moeda estrangeira por exportador à instituição financeira, por meio do adiantamento de valores em moeda nacional, pela instituição financeira compradora do Câmbio estrangeiro, os quais devem estar vinculados à uma operação mercantil de exportação que será liquidada em momento futuro, conforme pode ser extraído de seu conceito contido na Circular ora discutida:
O adiantamento sobre contrato de câmbio constitui antecipação parcial ou total por conta do preço em moeda nacional da moeda estrangeira comprada a termo, devendo ter a sua concessão pelos bancos e utilização pelos exportadores dirigida para o fim precípuo de apoio financeiro à exportação.
Apresentado o cerne da operação, é possível compreender que o objeto principal dessa espécie de Contrato de Câmbio de liquidação futura é a operação sinalagmática de antecipação de moeda Nacional para Recebimento da Moeda estrangeira futuramente.
1 BANCO CENTRAL DO BRASIL. Diretoria Colegiada. Circular no 2.231, de 25 de setembro de 1992. Dispõe sobre o Programa Federal de Desregulamentação - decreto no 99.179, de
15.03.90 – Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX) - Divulga os regulamentos que passarão a reger as operações de câmbio de exportação, o uso e a elaboração dos contratos de câmbio, bem como a classificação das operações em geral. Disponível em xxxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxxxx?xxxxxXxxxxxxx&xxxxxxx0000 Acessado em 20/11/2021
Pois bem. Sem adentrar na análise econômica do ACC para benefício e fomento da atividade de exportação, a qual, em breve apêndice, revela-se de suma importância no cenário nacional, fato é que quando ocorre a prestação do Adiantamento pelo banco, há a nascitura do principal crédito, o qual detém características específicas no bojo da RJ, conforme será exposto em tópico próprio.
De outro lado, não há como deixar de considerar que, tratando-se de uma operação, essencialmente bancária e cujo bem negociado é a própria moeda, a qual será liquidada em momento futuro, haverá uma diferença do valor do câmbio entre o momento da pactuação do ACC e de sua liquidação, que, via de regra ocorre, dentro de 360 (trezentos e sessenta) dias.
Essa variação econômica da moeda durante o lapso temporal descrito no parágrafo anterior, dentro pode ser denominada, no ordenamento jurídico brasileiro como a Variação da Taxa Cambial, direito crédito da pessoa que realizou a antecipação do montante, conforme extrai-se do artigo 75, §1o, da Lei 4.728/65, disposto a seguir:
Por esta via, o credor haverá a diferença entre a taxa de câmbio do contrato e a da data em que se efetuar o pagamento, conforme cotação fornecida pelo Banco Central, acrescida dos juros de mora.2
Em terceiro plano, há o deságio e os Encargos do BACEN, os quais derivam, por sua vez, do inadimplemento do exportador, alienante da compra, que no momento da liquidação do contrato deixou de realizar a operação que daria ensejo ao recebimento da moeda estrangeira à instituição Financeira.
Sobre os encargos do BACEN, o artigo 79 da Lei 9.813/99 dispõem expressamente, a origem de tais créditos e explicitam que o fundamento legal para a sua incidência é o descumprimento do contrato em questão, veja:
2 BRASIL. Lei 4.728, de 14 de julho de 1965. Diário Oficial da União, de 17 de julho de 1965, Brasília,Distrito Federal. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/x0000.xxx Acessado em 03/11/2021
Art. 79. O cancelamento ou baixa na posição de câmbio, de contrato de câmbio de exportação, previamente ao embarque das respectivas mercadorias para o exterior, sujeitará o exportador ao pagamento de encargo financeiro calculado:
I - sobre o valor em moeda nacional correspondente à parcela do contrato de câmbio ou baixado;
II - com base no rendimento acumulado da Letra Financeira do Tesouro – LFT durante o período compreendido entre a data da contratação e a do cancelamento ou baixa, deduzidos a variação cambial ocorrida no mesmo período e o montante em moeda nacional equivalente a juros calculados pela taxa de captação interbancária de Londres (LIBOR) sobre o valor em moeda estrangeira objeto do cancelamento ou baixa.403
De outro lado, no que tange ao deságio, este, se equipara à, obviamente, respeitada a natureza do próprio ACC, à comissão de permanência, ante o inadimplemento do contrato, conforme pode ser verificado em precedente ilustrativo do Eg. Tribunal de Justiça do Paraná, abaixo disposto:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL (HERBIOESTE HERBICIDAS LTDA E XXXXXXX XXXXX XXXX).EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO DE CÂMBIO –TIPO EXPORTAÇÃO. ADIANTAMENTO DE CONTRATO DECÂMBIO – ACC. ALEGAÇÃO DE DESVIRTUAMENTO DO CONTRATO DECÂMBIO PARA CONTRATO DE MÚTUO. AUSÊNCIA DOS DOCUMENTOSDA EXPORTAÇÃO E DA COMPROVAÇÃO DA COMERCIALIZAÇÃO OU PRODUÇ DE MERCADORIAS DESTINADAS AO COMÉRCIOINTERNACIONAL. ALEGAÇÃO DE DESVIO DE FINALIDADE. PARA O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, É NECESSÁRIA A DEMONSTRAÇÃO DA SIMULAÇÃO OU DO DESVIO DE FINALIDADE DO CONTRATO. DESNECESSÁRIA A VINCULAÇÃO DO CONTRATO DE CÂMBIO AODOCUMENTO DE EXPORTAÇÃO PARA A VALIDADE DO CONTRATO DE CÂMBIO
3 BRASIL. Lei 7.738, de 9 de março de 1989. Diário Oficial da União, de 10 de de março de 0000, Xxxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/X0000.xxx Acessado em 03/10/2021
CELEBRADO. NECESSIDADE DE PERÍCIA TÉCNICA PARA A PERCEPÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS QUE DIFERENCIAM A ANTECIPAÇÃO DO CONTRATO DE CÂMBIO - ACC DO CONTRATO DE MÚTUO. MATÉRIA DE ALTA COMPLEXIDADE QUE NÃO COMPORTA SOMENTE A ANÁLISE SUPERFICIAL DO CONTRATO. PERÍCIA REALIZADA EM PRIMEIRO GRAU. CONFIRMAÇÃO DE DESVIRTUAMENTO DO ADIANTAMENTO DO CONTRATO DE CÂMBIO. NO CASO ESPECÍFICO CONSTATA-SE O CONLUIO ENTRE AS PARTES PARA BENEFICIAREM-SE I. MUTUAMENTE. O DEVEDOR NÃO PODE ALEGAR NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO QUANDO PARTICIPA DA SIMULAÇÃO, SE DESDE O INÍCIO TINHA CIÊNCIA DA VERDADEIRA CAUSA DO PACTO REALIZADO. TAXA DE DESÁGIO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL. INOCORRÊNCIA. ILEGALIDADE DA CUMULAÇÃO DA TAXA DE DESÁGIO EQUIPARADA À COMISSÃO DE PERMANÊNCIA COM JUROS MORATÓRIOS E MULTA. NÃO OCORRÊNCIA. O DESÁGIO SE EQUIPARA, ANALOGICAMENTE, AOS JUROS REMUNERATÓRIOS E NÃO À COMISSÃO DE PERMANÊNCIA, SENDO QUE ESTES NÃO SE CONFUNDEM. A COBRANÇA DE ENCARGOS FINANCEIROS BACEN – EF IMPOSSIBILIDADE DO AFASTAMENTO. PREVISÃO LEGAL. PREVISÃO CONTRATUAL, AINDA QUE GENÉRICA. A VIABILIDADE DA EXIGÊNCIA DO EF-BACEN INDEPENDE DA COMPROVAÇÃO DE CAPTAÇÕES INTERNACIONAIS. A NÃO UTILIZAÇÃO DO LAUDO PERICIAL PELO JUÍZO NÃO ACARRETA EM NULIDADE DA SENTENÇA, VEZ QUEA QUO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA EM OUTROS ELEMENTOS CONCLUSIVOS DE CONVICÇÃO DO MAGISTRADO. SENTENÇA MANTIDA, MAS POR FUNDAMENTOS DIVERSOS. HONORÁRIOS RECURSAIS RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.4
Assim, tem-se necessariamente apresentados quais são os créditos que, por excelência derivam dessa espécie de contrato de câmbio, seu conceito, pontos absolutamente atinentes para verificação de como serão albergados pelo processo de recuperação Judicial.
2.2 Montante Adiantado normativa contida da LREF – Artigo 49, §4º
Exposto conceito, assim como todos os tipos de crédito que derivam da operação em estudo, cumpre destacar, no presente momento, como serão tratados os valores decorrentes deste processo de recuperação no concurso de credores recuperacional.
4 TJPR - 13a C.Cível - 0013698-71.2016.8.16.0170 - Toledo - Rel.: Desembargador Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx - X. 12.03.2019)
Nessa seara, é válido suscitar que, diferentemente do racional da regra geral dos créditos perante os efeitos da RJ, contido no artigo 49, caput, da Lei 11.101/05.
Isso porque, nos termos da lei em questão o montante adiantado, nos termos do artigo 49, §4º, estará fora do concurso de credores, conforme disposição expressa a qual pode ser verificada na seguinte letra: “§ 4º Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei.”
Pois bem. Em que pese a literalidade da norma, a qual basta para a aplicação em termos gerais e nos casos concretos, é necessário expor o porquê tais valores, nos termos da LREF, serão tidos como extraconcursais.
Sobre essa ratio do legislador, constrói duas teses que levam ao entendimento firmado na lei.
A primeira delas, expõe que os valores adiantados nessa espécie de operação não se sujeitariam aos efeitos do processo de recuperação judicial, posto que todo o montante adiantado seria de propriedade da instituição Financeira.
Já a segunda, defende que a extraconcursalidade do valor adiantado em ACC seria extraconcursal, para fomentar a concessão de crédito para exportação, e, consequentemente, diminuição do spread Bancário.
Sobre a primeira linha de Xxxxxxxxxx acerca da não sujeição do montante que dá ensejo ao próprio contrato, XXXXXXXXX, TELLECHEA E SPINELLI, são adeptos, conforme disciplinado em sua obra:
O crédito decorrente da importância entregue ao devedor (empresa exportadora), em moeda corrente nacional, decorrente de Adiantamento Sobre Contrato de Câmbio para exportação (ACC), também não se submete aos efeitos da recuperação judicial – mantendo-se hígidos os direito de propriedade sobre a coisa, tanto que, segunda a jurisprudência, possível o pedido de restituição das quantias adiantadas (art. 49, §4º, c/c 86, II) -, desde que o prazo total da operação, inclusive eventuais prorrogações, não exceda o previsto nas normas específicas da autoridade competente.5
5 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx, XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxx, XXXXXXXXX, Xxxxxxx: Recuperação de empresas e falência: teoria e prática na Lei 11.101/05 – 3. Ed ver., atual e ampl – São Paulo: Xxxxxxxx, 0000, p. 378-379
Em outro Giro, XXXXXXXXX sustenta que os créditos adiantados em ACC, não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial, com a finalidade de concessão e fomento das exportações, conforme pode ser visto em sua obra:
O crédito decorrente do adiantamento do contrato de câmbio não submete a instituição financeira ao plano de recuperação judicial. Sua exclusão permite a instituição financeira a redução dos riscos do inadimplemento do contrato, o que lhe incentiva a concessão dos adiantamentos e acaba por afetar favoravelmente a balança comercial do país com a facilitação da exportação. 6
A mesma linha de raciocínio pode ser encontrada no pensamento de XXXXXXX XXXXX, ao tecer comentários sobre a extraconcursalidade desses valores e problemas decorrentes das exceções de sujeição contida no artigo 49 da LREF:
O §4º deste art. 49 também será um sério óbice à possibilidade de se conseguir uma efetiva recuperação. Com a inserção do País no processo de globalização, que pelo menos por ora parece irreversível, houve um esforço e um incentivo muito grande no sentido de produção para exportação. E, em um contrato de exportação, a grande possibilidade de capitalização da empresa nacional surge da concessão, por parte dos bancos, do adiantamento por conta do contrato de câmbio.7
Expostos ambos os posicionamentos, tanto pelo olhar do direito de propriedade da instituição financeira sobre o montante adiantado, um prisma, por excelência, jurídico, quanto pelo viés econômico de incentivo e fomento da atividade do exportador, fato é que os créditos adiantados em ACC, pela letra da lei, e baseado nesses fundamentos não está, em tese, abarcado pela recuperação judicial.
6 SACRAMONE, Xxxxxxx Xxxxxxx: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência – São Paulo: Editora Saraiva, 2018
7 XXXXXXX XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/05: comentada artigo por artigo. – 15. Ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: XX, 0000, p. 230
2.3 Valores Acessórios derivados da operação – Entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
De outro lado, como salientado o valor adiantado, doravante, tratado como crédito principal, não é o único que decorre da operação em análise, como já salientado.
Nesse outro olhar, como apresentado, existem valores adjetos a este contrato, como a Variação da Taxa de Câmbio, o Deságio, os Encargos decorrentes da baixa
– também denominados como “Encargos do BACEN”, os quais a lei não dispõe expressamente de que forma serão vistos no processo de soerguimento.
Dentro desse racional, surgiu a dúvida na doutrina e jurisprudência, sobre qual seria o tratamento a ser conferido para esses valores tidos como acessórios ao Contrato de ACC,
Nesse campo de pensamento, cingiu-se a doutrina, novamente, em duas espécies de posicionamento, um de extensão da extraconcursalidade desses valores, enquanto o outro, ante a restritividade da Lei apenas ao valor principal objeto de antecipação, entendeu que tais créditos deveriam estar sujeitos os efeitos da recuperação judicial.
Sobre esse primeiro campo de raciocínio, AYOUB e CAVALLI, defendem que todos os créditos derivados desse contrato serão extraconcursais, pelo que pode ser visualizado na lição a seguir: “O Crédito decorrente de adiantamento de contrato de câmbio, incluídos os encargos contratuais, não se sujeita à recuperação de empresas (art. 49, §4º c/c art 86, II, da LRF), razão pela qual devem ser restituídos em dinheiro”8
Em outra toada, XXXXXXXX XXXXXX EXPÕE, ante o posicionamento jurisprudencial, que tais créditos acessórios estarão sujeitos aos efeitos do concurso de credores, como pode ser visualizado abaixo:
8 CAVALI. Cássio. in. XXXXX, Xxxx Xxxxxxx. A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas. 3. Ed. Rev. Atual e ampl – Rio de Janeiro: Forense, 2017. p, 76 60 apud. p. 196-197
Vale registrar que predomina entendimento de que os valores relativos aos acessórios do ACC (encargos e juros) se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial. Contudo, há posicionamento jurisprudencial no sentido de que os acessórios também podem ser cobrados de modo independente, aplicando se a teoria de que o acessório segue o principal.9
Em mesmo sentido pensa WAISBERG:
É certo, portanto, que o art. 49, §4º, da Lei 11.101/05, que prevê a extraconcursalidade de créditos oriundos de ACC, foge à regra geral de sujeição ao procedimento recuperacional, motivo pelo qual deve ser interpretada de forma restritiva(...) (...)Portanto, não há dúvidas de que a regra de não sujeição de créditos oriundos de ACC à recuperação judicial, justamente por ser excepcional, deve ser interpretada restritivamente. Ora, em caso de notória excepcionalidade da norma, não se deve, conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial mencionado, alargar a abrangência dos termos e características do ACC, a fim de caracteriza-lo como extraconcursal. Como ficará claro a seguir, o ACC é um instrumento especialmente característico por suas formalidades. Desse modo, o benefício da não sujeição deve ser aplicado restritivamente aos créditos provenientes do ACC efetivos. Isto é, que foram celebrados e executados de acordo com as características e formalidades inerentes a este tipo de contrato, as quais serão demonstradas abaixo. Vale destacar que a jurisprudência pacifica do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que os encargos atribuídos ao ACC são sujeitos à recuperação judicial, de certa forma, endossa esta diretriz interpretativa, mostrando que a exceção só se aplica ao efetivo adiantamento como fim da exportação, não abrangendo os consectários(...)10
Diante dessa cisma na doutrina sobre qual seria a natureza de tais obrigações quanto a sua sujeição ou não aos efeitos do processo de recuperação judicial, incumbiu, tal matéria, levada às cortes de Justiça, ante os mesmos problemas vislumbrados pelos doutrinadores, compreender qual seria a solução para tal temática.
Em específico, o Superior Tribunal de Justiça, em meados de 2019, no julgamento do REsp de nº 1810447/SP, de relatoria da Eminente Ministra Nancy
9 JUNIOR, FELINTRO. O Tratamento Jurídico Concedido ao Adiantamento de Contrato de Câmbio (ACC) No Processo de Recuperação Judicial . vol. 18 RT. São Paulo. Set. 2016. x. 00-00
00 XXXXXXXX, XXX xx. al. XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de (Coord). Temas de Direito de Insolvência – Fundamentos, Práticas e Consequências. Curitiba: 2021. P.213)
Xxxxxxxx, saldar tal controvérsia, restando entendido que, diversamente da quantia principal objeto do ACC, todos os demais créditos acessórios estarão sujeitos aos efeitos do processo de soerguimento,
Confira o entendimento:
EMENTA: RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. ADIANTAMENTO DE CONTRATOS DE CÂMBIO (ACCs). ENCARGOS. SUJEIÇÃO AO PROCESSO DE SOERGUIMENTO. AUSÊNCIA DE REGRA ESPECÍFICA. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. RISCO DE DECISÕES CONFLITANTES. INEXISTÊNCIA. 1.
Impugnação de crédito apresentada em 16/10/2014. Recurso especial interposto em 21/6/2018. Autos conclusos à Relatora em 21/2/2019. 2. O propósito recursal, além de verificar se houve negativa de prestação jurisdicional, é definir se os encargos derivados de adiantamento de contratos de câmbio se submetem aos efeitos da recuperação judicial da devedora. 3. Muito embora os arts. 49, § 4º, e 86, II, da Lei 11.101/05 estabeleçam a extraconcursalidade dos créditos referentes a adiantamento de contratos de câmbio, há de se notar que tais normas não dispõem, especificamente, quanto à destinação que deva ser conferida aos encargos incidentes sobre o montante adiantado ao exportador pela instituição financeira. 4. Inexistindo regra expressa a tratar da questão, a hermenêutica aconselha ao julgador que resolva a controvérsia de modo a garantir efetividade aos valores que o legislador privilegiou ao editar o diploma normativo. 5. Como é cediço, o objetivo primordial da recuperação judicial, estampado no art. 47 da Lei 11.101/05, é viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores. 6. A sujeição dos valores impugnados aos efeitos do procedimento recuperacional é a medida que mais se coaduna à finalidade retro mencionada, pois permite que a empresa e seus credores, ao negociar as condições de pagamento, alcancem a melhor saída para a crise enfrentada. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO.11
Aliás, em seu voto, a relatora, apesar da divergência do Eminente Ministro Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, sagrou-se vencedora em sua tese de que não poderiam ser tidos como extraconcursais, os valores acessórios ante a ausência de previsão legal. Veja o voto:
11 REsp 1810447/SP, Rel. Ministra XXXXX XXXXXXXX, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/11/2019, DJe 22/11/2019
Muito embora os dispositivos citados assegurem a natureza extraconcursal dos créditos referentes a adiantamento de contratos de câmbio – conforme reconhecido pela jurisprudência desta Corte (confira-se, a título ilustrativo, o AgRg no REsp 1.444.410/PR, 3ª Turma, DJe 13/11/2015) –, há de se notar que a regra em questão se limita a afastar dos efeitos do procedimento recuperacional “a importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional”.
Não há, como se verifica de leitura das normas que disciplinam a matéria, disposição legal específica quanto à destinação que deva ser conferida aos encargos eventualmente incidentes sobre o montante adiantado ao exportador pela instituição financeira (do que são exemplos os juros moratórios e a variação cambial).
E, inexistindo regra expressa a tratar da questão na lei de regência, a hermenêutica aconselha ao julgador que resolva a controvérsia de modo a garantir efetividade aos valores que o legislador privilegiou ao editar o diploma normativo.
Assim, fica claro, pelo entendimento anteriormente apontado pela Corte Superior, cuja missão constitucional é assentar o entendimento sobre a matéria legal, que os valores acessórios, diferentemente do montante principal, estarão albergados pelo concurso de credores e os efeitos do Plano de Recuperação Judicial.
Nesses termos, conclui-se no presente tópico que há, no ACC, uma segregação da operação no que tange a sua classificação perante a RJ, e, consequentemente, uma concursalidade parcial do contrato quando analisado como um todo frente ao processo de soerguimento.
3 OBJETIVO DA RECUPERÇÃO JUDICIAL E O PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL
3.1 Objetivo Geral da Recuperação Judicial
Exposto o que é e como se comporta o ACC, dentro da RJ, necessário expor, para a finalidade do presente estudo, qual é a essência deste instituto jurídico, de modo que tornou relevante a sua incorporação no ordenamento jurídico brasileiro.
Dentro desse campo, o artigo 47 da Lei 11.101/05, confere uma luz inicial ao dispor o que busca alcançar com a recuperação judicial, como pode ser visualizada na letra deste dispositivo:
A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.1
Ou seja, tem por finalidade o processo de RJ, a criação de um mecanismo que vise, dentro do princípio da preservação da empresa, o soerguimento do empresário, sob situação de crise econômico-financeira, a superação deste e retomada do desempenho saudável de sua atividade empresarial.
Aliás, nesse sentido, XXXXXXX XXXXX, expõe a baliza geral da Lei, em comparação aos demais institutos análogos contido em ordenamentos estrangeiros. Veja:
Esta lei pretende trazer para o instituto da falência e da recuperação judicial uma nova visão, que leva em conta não mais o direito dos credores, de forma primordial, como ocorria na lei anterior. A lei anterior, de 1945, privilegiava sempre o interesse dos credores, de tal forma que um exame sistemático daqueles artigos demonstra a ausência de preocupação com a manutenção da empresa como
unidade produtiva, criadora de empregos e produtora de bens e serviços, enfim, como a atividade de profundo interesse social, cuja manutenção deve ser procurada sempre que possível. Pretendeu-se introduzir no Brasil, com esta nova legislação, a moderna visão que impera no direito americano, com o Bankruptcy Code, que constitui o Título I do Bankrupctcy Reform Act, de 1978; no direito francês desde 1984, com a lei 84-148 (Lei 148/1984), com a substituição do próprio nome da disciplina de droit des faillites por droit des enterprises em difficultés; no direito alemão, unificado a partir de 01.01.1999, a Insolvenzordjund (InsO); no direito português, com o Código de processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, conhecido como CPEREF, introduzido pela Lei 132/1993, de 23.04.1993, e posteriores alterações pelos Decretos-Lei de 157, de 24.06.1997; 315, de 20.10.1998; e 323, de 17.12.2001; a última
legislação editada no mundo, a excelente lei da Espanha, Ley orgânica 8/2003, de 9 de Julio, par la reforma concursal, por la que se modifica la Ley Orgánica 6/1985, de 1 de Julio, del Poder Judicial, de 09.07.2003, e que entrou em vigor em 01.09.2004; A nuova disciplina dell amministrazione straordinnaria dele gandi imprense instatio di insolvenzia, D,L 270 de 09.07.2003, sobre o antigo Real Decreto de 16.03.1942, Displina del falimento, del concordato preventivo, dell’ amministrazione controllata e dela liquidazione coatta amministrativa; Na Argentina, a Ley de Concursos y Quiebras, de 20.07.1995, entre outras. Essas legislações mais modernas partem do princípio de que a manutenção do funcionamento da empresa é de interesse social acentuado(...)12
Apresentada essa consideração doutrinária e a própria letra da Xxx, fica claro que o objetivo do legislador, e ratio de existência do próprio instituto é a criação de um ambiente que vise a superação da crise econômica enfrentada pela empresa.
Diante disso, necessário agora verificar quais são os mecanismos que essa espécie de processo confere para atingir seus objetivos.
3.2 Instrumentos da recuperação Judicial para que possa ser alcançado seu objetivo: Da sujeição regra Geral de Sujeição de todos os créditos ao Plano de Recuperação Judicial e seus limites
Consignado qual é o objetivo primordial dessa espécie de processo, o que leva ao acionamento da jurisdição por meio da inicial de recuperação, cumpre listar dois instrumentos basilares, os quais podem afetar a operação em análise.
12 Ibid. p. 207
Em primeiro ponto de vista, confere a Lei, o artigo 49, caput, o qual prevê que todos os créditos cujo fato gerador seja anterior ao pedido de recuperação judicial, estarão afetos aos seus efeitos e ao Plano de Recuperação Judicial – PRJ.
Em breve ressalva, cumpre demonstrar que, esta regra geral de submissão, ou, concursalidade das obrigações passivas detidas pela empresa em crise, tem como viés, além da estipulação de condições equânimes entre os credores para satisfação do crédito, afetá-los diretamente ao PRJ e à novação recuperacional, para que possa ser viabilizado uma luz de pagamento do passivo inadimplido e superação do estado de insolvência.
Sobre isso, PUGLIESI e TOLEDO lecionam que, diferentemente o extinto regime concordatário, cujo crédito afetado só poderia ser de natureza quirografária, o dispositivo em questão busca alcançar a maior parte dos créditos, exatamente, para que o processo possa atingir seu objetivo maior.
Veja suas ponderações:
Portanto, em princípio, conforme pontua o caput do artigo 49 da Lei 11.101/05, todos os credores estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial. Entretanto, a regra comporta exceções, quanto aos créditos abaixo comentados. Assim, por adoção de política legislativa – embora criticável, pois o ideal seria que, efetivamente, todos os credores estivessem sujeitos ao procedimento, propiciando amplo debate quanto aos meios de superação da crise – há credores que ficam excluídos das negociações. É evidente que o progresso em elação ao Dec. – Lei 7.661/1945, que somente atingia aos credores quirografários pela concordata, é inquestionável. Porém, não se pode deixar de mencionar que melhor teria sido ampliar o rol de credores sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, sem exceção, a fim de que os objetivos perquiridos pela lei, pudessem ser melhor atingidos.13
Pois bem. É nítido, assim, que a regra geral dos créditos aos efeitos da recuperação judicial é, um dos mecanismos estabelecidos pela Lei para que possa ser alcançada a superação do estado de insolvência.
Contudo, tal engrenagem não é, por si só, uma fim, ou seja, a sujeição e submissão das obrigações ao concurso de credores deve chegar a outro mecanismo para que possa ser útil.
13 TOLEDO, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, PUGLIESE, Xxxxxxx Xxxxxxx. Recuperação Empresarial e Falência. – 2.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: XX, 0000. p. 194-195
Exatamente nessa toada que se encontra o Plano de Recuperação Judicial.
Sem buscar elucidar a natureza do plano de soerguimento (negócio jurídico material ou processual), é patente todo o caráter de criação e sujeição das obrigações à este concurso visa a estipulação de um plano de recuperação, o qual, pela Letra Conferida no artigo 53, I, da LREF , deve, obrigatoriamente prever os meios de soerguimento da empresa.
Sobre isso, é necessário que esclarecer que o artigo 50 da Lei, estabelece balizas gerais e elenca meios do próprio plano de recuperação judicial, a fim de debelar a situação de crise.
Para o objeto do estudo, uma delas, a qual pode e, comumente, faz parte do plano de recuperação judicial, são medidas financeiras de redução do montante do crédito inadimplido, acoplada no inciso XII, do artigo 50, anteriormente mencionado.
No que tange essas medidas, SCALZILLI, TELLECHEA E XXXXXXXX, explicam que pode fazer parte do PRJ e quais medidas seriam essas:
Na tentativa de sistematizar os meios de recuperação, buscou-se agrupar, abaixo, as técnicas de acordo com a sua natureza:
a) Medidas Financeiras
As técnicas de reestruturação financeira são as mais comuns e potencialmente as mais eficazes, pois dão tratamento direto ao passivo da recuperanda.
Entre elas estão:
i.. a remissão parcial de dívidas (“abatimento”, “deságio) – que, de modo contraditório, gera ganho de capital e, portanto, a sua respectiva tributação;
ii. o alongamento das dívidas, vencidas e vincendas, com a concessão de prazos especiais de pagamento, parcelamentos e até pagamentos atrelados a um percentual do faturamento ou do lucro da empresa;
iii. a concessão de carência para o início dos pagamentos (que, na prática, muitas vezes gira em torno de dois anos a contar da concessão da recuperação judicial, justamente o prazo em que o descumprimento de qualquer obrigação do plano enseja a convolação em falência, conforme arts. 61, caput e §1º, e, 73, IV, da LREF);
iv. a substituição de taxas de juros vigentes e até a supressão dos juros e da correção monetária pela estipulação de parcelas fixas;
v. a conversão definitiva de dívidas em moeda estrangeira, com a supressão do risco cambial, desde que com a concordância expressa de tais credores; (...)14
Nesse cenário, e, a partir do ensinamento ora exposto, fica claro que o PRJ, o qual todos os créditos sujeitos à recuperação judicial deterão destino vinculado aos seus termos, pode prever a redução, alongamento e carência para as obrigações inadimplidas pelas recuperandas, inclusive derivadas de moeda estrangeira.
Em outros termos, desde que discriminado no plano, a redução dos valores detidos pelo credor e estando a obrigação derivada do fato gerador sujeito à ele, tais podem compor as condições para pagamento do crédito.
Entretanto, em que pese o caráter eminentemente negocial, não são absolutas as condições estipuladas pelas recuperandas para que seja superada a crise.
Felizmente ou Infelizmente, o Plano, mesmo após aprovado, é levado à análise do juízo em que tramita o processo de recuperação para que, no momento de concessão da recuperação em si, realize o controle das condições contidas no plano para averiguação se elas não extrapolariam o limite.
Feita essa consideração, cumpre destacar qual seria este limite.
Sobre isso, tecidas as considerações sobre o objetivo, mecanismos e liberdade para oferecimento de uma proposta de soerguimento, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que o PRJ proposto, ainda que aprovado, deve sofrer o chamado controle exercido juízo em que tramita o processo de soerguimento, cuja análise estará vinculada, exclusivamente, a critérios de legalidade sobre as condições contidas no PRJ.
Sobre isso, oportuno trazer o precedente firmado AgInt no AREsp 1059178 / SP, de relatoria do eminente ministro Xxxxx Xxxxx, o qual dispõe que incumbe ao juízo analisar o controle em abstrato do plano de recuperação judicial, apenas para aferir eventuais ilegalidades do Plano:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO - INSURGÊNCIA RECURSAL DO AUTOR. 1. A existência de
14 Ibid. p.422
jurisprudência dominante do STJ sobre a matéria discutida autoriza o desprovimento do recurso especial por meio de decisão monocrática, estando o princípio da colegialidade preservado ante a possibilidade de submissão da decisão singular ao controle recursal dos órgãos colegiados. Precedentes. 2. Inadequada aplicação do óbice da Súmula 7/STJ à análise da questão atinente à aventada ilegalidade de designação de nova assembleia, motivo pelo qual reconsidera-se a deliberação monocrática no ponto, mantendo-se o desprovimento do reclamo por fundamento diverso. 2.1 O juízo acerca da necessidade de instalação de nova assembleia ante a mudança do quadro fático e da existência de novos elementos para elaboração de um plano de recuperação judicial efetivamente viável, aprovado pelos credores, acompanhado pelo Ministério Público, administrador judicial e deferido pelo Juízo recuperacional, está inserido no âmbito da liberdade negocial inerente à natureza jurídica do plano, inexistindo qualquer ilegalidade apta a permitir a intervenção do Poder Judiciário. 2.2 "O juiz está autorizado a realizar o controle de legalidade do plano de recuperação judicial, sem adentrar no aspecto da sua viabilidade econômica, a qual constitui mérito da soberana vontade da assembleia geral de credores" (REsp 1.660.195/PR, Rel. Ministra XXXXX XXXXXXXX, TERCEIRA TURMA, julgado em 4/4/2017, DJe
10/4/2017). Incidência da Súmula n. 83 do STJ. 3. Agravo interno parcialmente acolhido, mantendo-se o desprovimento do reclamo por fundamento diverso.15
Aliás, uma situação emblemática sobre o essa situação, diz respeito à declaração de invalidade de cláusula que prevê supressão de garantias reais ou fidejussórias sem anuência do credor, ante a afronta do artigo 52, §1º, da LREF.
Confira o Teor:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PLANO DE RECUPERAÇÃO. NOVAÇÃO. EXTENSÃO. COOBRIGADOS. IMPOSSIBILIDADE. GARANTIAS. SUPRESSÃO OU SUBSTITUIÇÃO. CONSENTIMENTO. CREDOR TITULAR.
NECESSIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se a cláusula do plano de recuperação judicial que prevê a supressão das garantias reais e fidejussórias pode atingir os credores que não manifestaram sua expressa concordância com a aprovação do plano. 3. A cláusula que estende a novação aos coobrigados é legítima e oponível apenas aos credores que aprovaram o plano de recuperação
15 (AgInt no AREsp 1059178/SP, Rel. Ministro XXXXX XXXXX, QUARTA TURMA, julgado em 21/06/2021, DJe 01/07/2021)
sem nenhuma ressalva, não sendo eficaz em relação aos credores ausentes da assembleia geral, aos que abstiveram-se de votar ou se posicionaram contra tal disposição. 4. A anuência do titular da garantia real é indispensável na hipótese em que o plano de recuperação judicial prevê a sua supressão ou substituição.5. Recurso especial interposto Tonon Bionergia S.A., Tonon Holding S.A. e Tonon Luxemborg S.A. não provido. Agravo em recurso especial interposto por CCB BRASIL - China Construction Bank (Brasil) Banco Múltiplo não conhecido16
A partir da leitura desse julgado, percebe-se que, apesar da liberdade na estipulação do PRJ, o conteúdo do plano deverá não poderá afrontar dispositivos legais, sob pena de ser considerada a disposição contida nele como nula.
Feito esse trilhar, extrai-se que para atingir o objetivo de superação da crise, a Lei de Recuperação de Empresas e Falência, confere a premissa geral sujeição de todos os créditos, para que seja afetado a um plano de recuperação, cujo limite não pode afetar diretamente disposição legal.
Resta agora questionar, a afetação de todos os créditos derivados do ACC, em cláusula estabelecida no PRJ seria uma ilegal.
3.3 A POSSIBILIDADE DE AFETAÇÃO, VIA PLANO DE SOERGUIMENTO, DE TODA A OPERAÇÃO DERIVADA DE ACC
O trilhar do presente artigo, esculpindo a operação de ACC, de um lado e sua submissão parcial aos efeitos da recuperação judicial, bem como o objetivo do processo, mecanismos para superação e limite do conteúdo do plano, visam chegar neste ponto, seja ele a possibilidade de inclusão dos créditos do ACC, como um todo, ao PRJ e se isto afrontaria o limite de disposição do plano.
16 . (REsp 1794209/SP, Rel. Ministro XXXXXXX XXXXXX XXXX XXXXX, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 12/05/2021, DJe 29/06/2021)
Inicialmente, cumpre listar que, como já apresentado, a operação de ACC, fato gerador, dá ensejo à créditos que estão sujeitos ao processo de soerguimento, e, consequentemente aos termos do PRJ, excetuado o montante adiantado.
Logo, desde o momento de nascimento do PRJ, é possível vincular parte de tais créditos à sorte do processo por simples habilitação de crédito. Isto não revela maiores problemas.
A questão que vale a atenção, é se, interpretando o fato gerador e a operação como um todo, eventual cláusula que preveja a afetação do montante tido como extraconcursal é ilegal ou legal.
Como uma breve ressalva, cumpre destacar que essa matéria, em específico é pouco trabalhada na doutrina e jurisprudência, sendo nulo ou, no mínimo, altamente escassa a deliberação sobre isso, não havendo como colocar, categoricamente seria a solução de tal problemática nos casos em geral.
Contudo, partindo dessas balizas gerais, proposta essa situação, é possível extrair três conclusões sobre a legalidade de tal cláusula.
A primeira seria, como há o controle de legalidade do Plano de Recuperação Judicial e este obsta qualquer condição que mitigue dispositivo legal, que seria inviável tal situação, não podendo ocorrer qualquer modificação do crédito adiantado, salvo os valores acessórios.
De fato, a lei é expressa ao dispor que não se submeterão aos efeitos do processo de soerguimento tais créditos, sendo um posicionamento válido.
Em outro giro, considerando as lições de SCALZILLI sobre os mecanismos financeiros possíveis do plano, que parte do crédito do ACC está submetido aos efeitos da recuperação judicial e o fato da extraconcursalidade, sob um viés, está pautado em aspectos econômicos, por sua exegese, que a deliberação sobre afetação de operação, cujos créditos estão afetados ao plano em parte, que seria viável a afetação integral do ACC.
Por fim, exatamente nos mesmos Termos do julgado que prevê a necessidade de concordância expressa dos credores à extinção de garantia contida no plano, sob afronta à ao artigo 52, §1º, da LREF, haveria uma terceira e possível interpretação,
sobre essa matéria, seja ela: Há a possibilidade de afetação de toda a operação à RJ, ante concursalidade parcial, desde que o credor anua expressamente sobre a matéria.
De todo o modo, as três opções anteriormente listadas possíveis são, contudo, não há precedente que suporte tal problema ou discussão doutrinária sobre a questão, razão pela qual é necessário listar quais são, ao menos as três, hipóteses interpretativas diante do problema proposto, colocadas nos termos anteriores.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao cabo do presente artigo, é possível perceber que, em verdade, a temática proposta, ao menos no campo de estudo do direito é nova e, encontra pouca atenção do ordenamento jurídico, bem como complexa.
Isso porque, o problema enfrentado envolve diversas situações extremamente espinhosas, tanto na doutrina quanto nos debates trilhados pelos tribunais, sejam elas: (A) Os Limites de Controle de Legalidade do Plano de Recuperação Judicial; (B) O próprio ACC; (C) O comportamento do ACC nesse processo de soerguimento.,
A soma dessas questões, as quais são alvo de intenso debate, uma a uma, em verdade não revela uma conclusão, mas sim uma nova incógnita, sendo ela, quando tal matéria tomará atenção e qual será a conclusão adotada pela doutrina e, em especial, pelos tribunais pátrios.
Entretanto, é a missão do estudioso, senão observar uma conclusão, ao menos traçar hipóteses que podem se mostrar, futuramente, verdadeira no mundo fático.
Estampadas essas colocações, cumpre verificar, aqui, a quais das três hipóteses traçadas dos temas, ou seja, de impossibilidade absoluta de afetação do ACC ao PRJ, possibilidade Plena por mera disposição no plano, ou, possibilidade, desde que com a anuência do Credor, a posição aqui levantada é esta: Há possibilidade de afetação de toda a operação derivada de ACC aos efeitos do PRJ, sob uma única condição, a não oposição do credor ao dispositivo apresentado.
Óbvio que aqui, adota-se terceira hipótese proposta no tópico 3.3, uma vez que o crédito não é absolutamente extraconcursal e é absolutamente possível, como listado no presente estudo, a utilização de mecanismos financeiros (deságio, carência, retirada da encargos cambiais) para que a Lei atinja seu objetivo, contudo, não se pode afastar absolutamente uma norma que afeta direito creditório não sujeito ao plano, montante principal adiantado, havendo óbice do detentor do crédito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Diretoria Colegiada. Circular no 2.231, de 25 de setembro de 1992. Dispõe sobre o Programa Federal de Desregulamentação - decreto no 99.179, de 15.03.90 – Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX) - Divulga os regulamentos que passarão a reger as operações de câmbio de exportação, o uso e a elaboração dos contratos de câmbio, bem como a classificação das operações em geral. Disponível em xxxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxxxx?xxxxxXxxxxxxx&xxxxxx
=2231 Acessado em 20/11/2021
BRASIL. Lei 4.728, de 14 de julho de 1965. Diário Oficial da União, de 17 de julho de 1965, Brasília,Distrito Federal. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/x0000.xxx Acessado em 03/11/2021
BRASIL. Lei 4.728, de 14 de julho de 1965. Diário Oficial da União, de 17 de julho de 1965, Brasília,Distrito Federal. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/x0000.xxx Acessado em 03/11/2021
BRASIL. Lei 7.738, de 9 de março de 1989. Diário Oficial da União, de 10 de de março de 0000, Xxxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/X0000.xxx Acessado em 03/10/2021
TJPR - 13a C.Cível - 0013698-71.2016.8.16.0170 - Toledo - Rel.: Desembargador Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx - X. 12.03.2019)
XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx, XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxx, XXXXXXXXX, Xxxxxxx: Recuperação de empresas e falência: teoria e prática na Lei 11.101/05 – 3. Ed ver., atual e ampl – São Paulo: Xxxxxxxx, 0000, p. 378-379
XXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência – São Paulo: Editora Saraiva, 2018
XXXXXXX XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/05: comentada artigo por artigo. – 15. Ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: XX, 0000, p. 230
CAVALI. Cássio. in. XXXXX, Xxxx Xxxxxxx. A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas. 3. Ed. Rev. Atual e ampl – Rio de Janeiro: Forense, 2017. p, 76 60 apud. p. 196-197
JUNIOR, FELINTRO. O Tratamento Jurídico Concedido ao Adiantamento de Contrato de Câmbio (ACC) No Processo de Recuperação Judicial . vol. 18 RT. São Paulo. Set. 2016. p. 65-95
XXXXXXXX, XXX et. al. XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de (Coord). Temas de Direito de Insolvência – Fundamentos, Práticas e Consequências. Curitiba: 2021. P.213)
REsp 1810447/SP, Rel. Ministra XXXXX XXXXXXXX, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/11/2019, DJe 22/11/2019
TOLEDO, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, PUGLIESE, Xxxxxxx Xxxxxxx. Recuperação Empresarial e Falência. – 2.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: XX, 0000. p. 194-195
(AgInt no AREsp 1059178/SP, Rel. Ministro XXXXX XXXXX, QUARTA TURMA,
julgado em 21/06/2021, DJe 01/07/2021)
REsp 1794209/SP, Rel. Ministro XXXXXXX XXXXXX XXXX XXXXX, SEGUNDA
SEÇÃO, julgado em 12/05/2021, DJe 29/06/2021)