CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA EM CONTRATOS PÚBLICOS – QUANDO UTILIZÁ-LA
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA EM CONTRATOS PÚBLICOS – QUANDO UTILIZÁ-LA
Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxxx∗
Sumário: Introdução; As Qualidades da Arbitragem; Celeridade; A Especialidade dos Árbitros; A Imparcialidade e Neutralidade dos Árbitros; Flexibilidade Procedimental da Arbitragem – Possibilidade de Produção de Provas Complexas; Execução da Sentença Arbitral no Plano Internacional; Arbitragem não é para qualquer Litígio Envolvendo a Administração Pública; Custo da Arbitragem; Ausência de Privilégios Processuais na Arbitragem; A Preocupação com a Formação dos Advogados Públicos para a Arbitragem; Conclusão.
INTRODUÇÃO
O estudo da arbitragem envolvendo entes públicos talvez tenha sido aquele que mais despertou a atenção dos especialistas na última década no Brasil, contando o cenário jurídico nacional hoje com livros, artigos, decisões judiciais e decisões administrativas sobre a questão, enfrentando os seus mais variados aspectos.
Trata-se de tema que congrega constitucionalistas, administrativistas, processualistas e arbitralistas. Cuida-se de matéria que, ademais, colocou em confronto a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (mais favorável à utilização da arbitragem) e a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (mais restritiva em relação a esta possibilidade).
O tema passou por uma profusão de intervenções legislativas pontuais e estanques realmente digna de nota1, até culminar com a aprovação de uma cláusula
∗ Procurador do Estado
1 Lei nº 8.666/93 (Lei de licitações e contratos da Administração Pública); Lei nº 11.196/2005
(altera a Lei de Licitações), art. 23-A; Lei nº 8.987/95 (Lei das Concessões); Lei nº 11.196/05 (altera a Lei das Concessões); Lei nº 9.472/1997 (Lei Geral de Telecomunicações); Lei nº 9.478/1997 (Lei do Petróleo); Lei nº 10.233/2001 (cria a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, dentre outros); Lei nº 10.848/2004 (dispõe sobre a comercialização de energia elétrica, dentre outros); Lei nº 11.079/2004 (Lei de Parcerias Público-Privadas), art. 11, inciso III; Lei nº 11.909/2009 (dispõe sobre as atividades de transporte, estocagem e comercialização de gás natural); Lei nº 12.351/2010 (Lei do Pré-Sal); Lei nº 12.462/2011 (instituiu o regime diferenciado de contratações públicas – RDC); Lei nº 12.815/2013 (Lei dos Portos – regulamentada pelo Decreto nº 8.465/2015); Lei nº 13.334/2016 (cria o Programa de Parcerias de Investimentos – PPI); Medida Provisória nº 752/2016 (dispõe sobre diretrizes gerais para a prorrogação e a relicitação dos contratos de parceria que
legal autorizadora – específica e geral, ao mesmo tempo – na Reforma da Lei de Arbitragem (Lei nº 13.129/2015). A decisão de tornar clara e explícita na lei a possibilidade de submeter à arbitragem litígios envolvendo entes públicos foi uma das várias contribuições importantes trazidas no âmbito da nova estrutura da Lei de Arbitragem brasileira.
Esta efervescência jurídica não poderia mesmo ser inesperada. Afinal, a questão relaciona-se à inserção de um instituto marcado pela autonomia privada das partes – como é a arbitragem – em um campo histórica e filosoficamente influenciado pela incidência de princípios de Direito Público – como é a atuação da Administração Pública –, de que são os melhores exemplos o princípio da legalidade, o princípio da indisponibilidade do interesse público e o princípio da supremacia do interesse público.
AS QUALIDADES DA ARBITRAGEM
Antes de qualquer consideração de ordem estritamente técnica a respeito do tema, cumpre examinar algumas qualidades da arbitragem que parecem indicá-la como método adequado de solução de algumas espécies de conflitos – e não certamente de todos – envolvendo entes públicos. Esta análise é importante porque a perfeita compreensão sobre a evolução ocorrida nos últimos anos em prol da arbitragem no campo público – decorrente, por óbvio, de uma opção política efetivamente tomada – pressupõe o conhecimento destas vantagens e quiçá das desvantagens, que examinaremos adiante no decorrer deste trabalho.
Em outras palavras, a pergunta que se faz é a seguinte: por que a decisão política de incentivar o uso da arbitragem neste campo parece ser boa? Trata-se de exame que procura não apenas desvendar as razões para tomada desta posição no plano abstrato como também apresentar os fundamentos que bem poderão ser utilizados pelo administrador público, no plano concreto, no momento em que tiver que motivar sua escolha – ou não - pela arbitragem em determinada relação jurídica envolvendo entes públicos.
Adiante-se que enxergamos ao menos quatro qualidades que justificam o uso da arbitragem envolvendo entes públicos: (i) a celeridade da arbitragem, (ii) a especialidade dos árbitros, (iii) a imparcialidade dos árbitros e (iv) a eficácia
especifica). Diversos estados também já editaram leis mencionando a hipótese de arbitragem, a quase totalidade para contratos envolvendo Parcerias Público-Privadas, a saber: Bahia, Lei Estadual nº 9.290/2004; Goiás, Lei Estadual nº 14.910/2004; Santa Catarina, Lei Estadual nº 12.930/2004; São Paulo, Lei Estadual nº 11.688/2004; Amapá, Lei Estadual nº 921/2005; Pernambuco, Lei Estadual nº 12.765/2005; Piauí, Lei Estadual nº 5.494/2005; Rio Grande do Norte, Lei Complementar Estadual nº 307/2005; Rio Grande do Sul, Lei Estadual nº 12.234/2005; Distrito Federal, Lei Estadual nº 3.792/2006; Amazonas, Lei Estadual nº 3.363/2007; Rio de Janeiro, Lei Estadual nº 5.068/2007; Sergipe, Lei Estadual nº 6.299/2007; Ceará, Lei Estadual nº 14.391/2009; Tocantins, Lei Estadual nº 2.231/2009; Minas Gerais, Lei Estadual nº 19.477/2011; Mato Grosso do Sul, Lei Estadual nº 4.303/2012; e Paraná, Lei Estadual nº 17.046/2012.
transnacional da sentença arbitral. Cada uma destas qualidades desdobra-se em outras específicas qualidades, cujo detalhamento nos propomos a apresentar abaixo.
Por outro lado, existem outros fatores que devem ser considerados pelo administrador público quando confrontado com a decisão de inserir em um contrato uma cláusula compromissória. Muitas desses elementos podem ser considerados, dependendo da situação – particularmente se analisados isoladamente – como desvantajosos, dependendo do caso concreto. Neste trabalho também não nos furtaremos a mencioná-los e analisar os seus efeitos, face à proposta deste estudo.
CELERIDADE
O primeiro motivo, sempre lembrado por quem trata do tema, é a reconhecida celeridade do processo arbitral em relação ao processo judicial. O relatório “Justiça em Números” de 2016 (ano-base 2015), elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça, informa que há em tramitação na Justiça Estadual brasileira aproximadamente 59 milhões de processos judiciais, cuja taxa de congestionamento alcança a marca de 73,3%. Na Justiça Federal brasileira tramitam 9,1 milhões de processos judiciais e a taxa de congestionamento é de 59,1%. Sabe-se hoje que o número total de processos em curso perante o Poder Judiciário brasileiro chega a 74 milhões2.
Parece evidente, assim, que o Poder Judiciário brasileiro não vem conseguido solucionar as lides com a velocidade que as partes esperam. Apesar dos esforços legislativos em curso, notadamente com a tentativa de dar efeito coletivo a algumas espécies de decisões judiciais, não há diagnóstico que permita uma conclusão definitiva sobre uma possível melhoria significativa em futuro próximo.
Os efeitos da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil sobre este volume de demandas ainda não podem ser avaliados com precisão. O cenário, portanto, é grave e não há dados concretos que possam embasar uma previsão otimista para os próximos anos, muito ao contrário. Não cabe aqui investigar as razões históricas, políticas, econômicas e culturais que nos levaram a tal situação. Trata-se de um fato concreto que tomamos como premissa para algumas conclusões inseridas no objeto deste trabalho.
Ressalte-se, porque relevante, que a lentidão dos processos judiciais não é fenômeno exclusivamente brasileiro, mas sim mundial3, o que, porém, não serve de justificativa para a manutenção ou o agravamento do problema, especialmente considerando que no Brasil a Constituição da República, no art. 5º, LXXVIII, consagra como direito fundamental de todo cidadão a “razoável duração do processo”. O processo judicial no Brasil é mais lento do que deveria ser, ninguém se arriscaria a dizer o contrário.
2 Disponível em: xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxx/xxxxxxxx/xxxxxxx/0000/00/x0x00xx0xxxxx000000 a933579915488.pdf. Acesso em: 19.05.2017.
3 Confira-se, neste sentido, reportagem de dezembro de 2013 do site Consultor Jurídico, assinada por Xxxxx Xxxxxxxx, informando que a Corte Europeia de Direitos Humanos tem condenado países europeu (dentre eles Itália, Rússia, Grécia, Romênia e Alemanha) a indenizar partes em razão da lentidão processual: xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/0000-xxx- 01/corte-europeia-tenta-obrigar-paises-resolver-lentidao-judicial. Acessado em: 19.05.2017.
A arbitragem, por outro lado, tem todos os atributos para se configurar, na prática, como um processo célere. Evidentemente que o processo arbitral, assim como o processo judicial, consome um certo tempo. A pressa é inimiga da perfeição, como diz a erudição popular. Porém, o instituto da arbitragem, bem aplicado, consegue preservar a qualidade da celeridade respeitando (i) a fiel observância dos princípios do devido processo legal e do contraditório, (ii) o detalhado exame das provas apresentadas pelas partes e (iii) o acurado entendimento da controvérsia pelos árbitros.
Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx, coautora do projeto original da Lei de Arbitragem, afirma que “é possível ter uma arbitragem processada de oito meses a um ano e meio”4. Nossa experiência mostra que, em arbitragens mais complexas, o tempo de duração pode se estender a cerca de 3 (três) anos, às vezes mais. É certo, porém, que processos judiciais com idêntica complexidade muito dificilmente chegariam à conclusão final em prazo inferior a 10 (dez) anos. O tempo de duração de cada arbitragem vai depender, obviamente, da maior ou menor complexidade do caso concreto, impactando sobremaneira nesta previsão a necessidade ou não de produção de prova pericial, bem como sua abrangência.
O mais importante é que, ao contrário do que ocorre com o processo judicial, os usuários da arbitragem – partes, advogados, instituições arbitrais e árbitros – estão, em regra, satisfeitos com o tempo de conclusão dos processos arbitrais. Na pesquisa realizada pelo Comitê Brasileiro de Arbitragem – CBAr e pelo Instituto Ipsos, entre junho e agosto de 2012, constatou-se que, perguntados sobre as vantagens da arbitragem, “a maioria dos entrevistados indicou em primeiro lugar ‘o tempo necessário para ter uma solução definitiva para o conflito’ (37% das respostas)”5.
A explicação para essa tramitação mais veloz em relação ao Poder Judiciário é simples, pois, em primeiro lugar, os árbitros brasileiros, em regra, dedicam-se a solucionar poucos litígios quando comparados com os milhares de processos em curso normalmente numa vara cível da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro. Nas varas de Fazenda Pública, onde tramitam os processos em que o Estado do Rio de Janeiro é parte, a situação é ainda mais gritante. Em segundo lugar, não existem recursos contra a sentença arbitral e nem tribunais de revisão do julgado, mas apenas a possibilidade de apresentação de pedidos de esclarecimento (ou “embargos arbitrais”) para o próprio tribunal arbitral, o que se diferencia bastante do regime judicial, com seus numerosos recursos que podem chegar até o Supremo Tribunal Federal (quatro graus de jurisdição).
Por fim, os árbitros são escolhidos pelas partes e por seus advogados, ao contrário do que ocorre no âmbito judicial, em que o juiz responsável pelo caso é sorteado em um sistema de distribuição de causas. Isso significa que os árbitros se esforçam para prestar um serviço eficiente de maneira a conquistar boa reputação no meio jurídico, o que lhes renderá novas indicações no futuro. A possibilidade de escolha dos árbitros pelas partes gera um ambiente competitivo que estimula a
4 Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/0000-xxx-00/xxxxxxxxxx-xxxxx-xxxxx-xxxxxxxx- professora-especialista-arbitragem. Acessado em: 19.05.2017.
5 xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/XXX/Xxxxxxxx_XXXx-Xxxxx-xxxxx.xxx. Acessado em 19.05.2017.
eficiência. Uma arbitragem cuja tramitação tenha sido conduzida de forma célere e segura, cujas partes tenham tido adequadas oportunidades de apresentar suas razões e cujas decisões tenham sido técnicas, racionais e convincentes trará retorno aos árbitros em futuras indicações. Não ocorre esta mesma relação de causa e efeito – e nem este incentivo econômico – na seara judicial.
Desnecessário dizer que a rápida e adequada solução do conflito é umas das qualidades mais admiradas pelos particulares nas diversas pesquisas empreendidas sobre o assunto. Mas não é só. A mesma qualidade preenche também o mais puro interesse público, conceito que norteia todos os atos da Administração Pública, razão pela qual também é – ou deveria ser – do interesse do Estado contar com decisões céleres a respeito dos negócios jurídicos em que está envolvido. Ainda que o Estado possa fazer uso, em regra, do poder de autotutela, a estabilidade da relação jurídica somente é atingida com o trânsito em julgado da decisão de mérito, razão pela qual buscar este momento deve interessar também a quem possui como finalidade ínsita o interesse público.
Com efeito, o tempo consumido para a solução dos processos judiciais resulta na injusta privação de um direito que virá a ser reconhecido por ocasião da sentença final (o que impacta no custo de oportunidade)6. Por outro lado, pelo ângulo da parte derrotada, a imposição de juros e correção monetária sobre o objeto do litígio ao longo do tempo constrói consequências monetárias não poucas vezes difíceis de serem suportadas. Tudo isso, como se não bastasse, gera e eterniza uma sensação de insegurança jurídica que paralisa ações e iniciativas relacionadas àquela relação jurídico-econômica (indiretamente elevando os custos de transação)7. Este cenário é particularmente sensível na esfera da Administração Pública.
Há particulares que, diante de tal risco, simplesmente decidem não contratar com a Administração Pública, o que já basta para reduzir a competitividade dos certames licitatórios e, com isso, contribuir negativamente para a eficiência do
6 Sob o ângulo da análise econômica do Direito, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxx Salama relacionam a arbitragem à redução do custo de oportunidade em razão da maior celeridade com que o litígio é solucionado: “Na prestação jurisdicional estatal, o tempo de espera por uma decisão definitiva gera alto custo para as partes, que ficam privadas dos bens ou direitos litigiosos durante todos os anos que precedem o efetivo cumprimento da decisão transitada em julgado. Nesse caso, as partes arcam com o custo de oportunidade decorrente da privação dos bens e direitos disputados em Juízo” (PUGLIESE, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx. XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. A economia da arbitragem: escolha racional e geração de valor. Revista DIREITO GV. São Paulo: FGV, n. 4(1), jan./jun. de 2008, p. 20).
7 Xxxxx xx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx também entende que a arbitragem pode reduzir os custos de transação: “Acrescente-se a isso também a economia que a arbitragem pode representar em termos de redução de custos de transação, além do impacto positivo que a arbitragem gera em termos de aumento da confiança negocial entre as partes envolvidas na transação” (XXXXX, Xxxxx xx Xxxxx xx Xxxxxxx. A lei mineira de arbitragem: uma abordagem institucional. Revista de arbitragem e mediação. São Paulo: RT, a. 9, v. 33, abr./jun. de 2012. Disponível em: xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx. Acessado em: 19.05.2017).
processo de seleção8. Isto, por si só pode significar elevação de custos para a Administração Pública. Por outro lado, há particulares que decidem correr tal risco, inevitavelmente levando tal circunstância em consideração e, por conseguinte, apresentando uma proposta de retorno financeiro mais elevada, aumentando potencialmente o custo global do projeto, ou buscando, ao longo da respectiva execução recuperar de alguma outra forma aquela desvantagem inicial decorrente do risco que identificou decorrente dessa forma de contratação. Isto tudo em prejuízo, novamente, dos interesses da Administração Pública9.
Veja-se que, muito ao contrário do que poderia parecer num primeiro momento, essas dificuldades afetam muito mais a Administração Público do que o particular. Mais do que isso: a ineficiência do processo de escolha e o aumento dos custos dos projetos contrariam não apenas o interesse da Administração Pública como, mais do que isso, contrariam o mais genuíno interesse público. Caio Tácito
8 Xxxxxx Xxxxxxxxxx entende que “a inserção de cláusula compromissória em contratos administrativos é um dos fatores que, ao lado de um marco regulatório estável e bem delineado, possibilita à Administração o aporte do maior número de partícipes privados ao prélio licitatório e a seleção de proposta mais vantajosa para o negócio alvitrado”. O autor chega a dizer que “há vezes, e não são poucas, em que, não fosse a adoção deste mecanismo dissuasório alternativo, e o projeto licitatório em si estaria fadado ao mais retumbante fracasso” (XXXXXXXXXX, Xxxxxx. Alguns aspectos sobre a arbitragem nos contratos administrativos à luz dos princípios da eficiência e do acesso à justiça: por uma nova concepção do que seja interesse público. Revista de arbitragem e mediação. São Paulo: RT,
9 Estabelecendo bem a relação entre método de resolução de conflito e custos de transação, a partir de uma análise econômica do Direito (Law and Economics), confira-se a lição de Xxxxx Xxxxxxxx Salama: “Um exemplo clássico de custos de transação diz respeito aos custos relacionados à solução de eventuais conflitos decorrentes de uma relação contratual. Quando analisa a conveniência e oportunidade de celebração de um contrato, o indivíduo leva em consideração, entre outros fatores, os custos de monitoramento do cumprimento do contrato pela outra parte (e.g., confirmação de pagamento das parcelas, ou aferição da qualidade do produto prometido) e a eficácia dos remédios oferecidos pela lei e pelo contrato para o caso de inadimplemento das obrigações assumidas. Quanto maiores os custos, menor o interesse do indivíduo em tomar parte do negócio” (XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Análise econômica da arbitragem. Direito e economia no Brasil. XXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx (Org.). São Paulo: Atlas, 2012, p. 383).
afirma que “o acordo conducente ao procedimento arbitral, superando a xxxxxxx do rito judicial, favorece a celeridade na superação de litígios em benefício da dinâmica própria das relações econômicas, que o Estado venha a assumir como imperativo do interesse coletivo”10.
Em resumo, a celeridade é uma qualidade também desejável para a Administração Pública. Esta celeridade, alcançável não apenas pela via arbitral mas também pela mediação, pode ser fundamento suficiente para o administrador público motivar a escolha da arbitragem ou da mediação em determinadas hipóteses específicas11. Desnecessário lembrar, em apoio a esta noção, o quão relevante se mostra a eliminação tempestiva de incertezas para a Administração Pública, por exemplo, em certos tipos de contratos relacionados a grandes eventos esportivos com datas pré-fixadas obrigatórias, como ocorreu em passado recente, no Brasil, com a Copa do Mundo de 2014 e com os Jogos Olímpicos de 2016.
A ESPECIALIDADE DOS ÁRBITROS
Outra grande qualidade da arbitragem que pode justificar a sua adoção pela Administração Pública é a especialidade dos árbitros. Na pesquisa realizada pelo Comitê Brasileiro de Arbitragem – CBAr e pelo Instituto Ipsos em 2012, já mencionada anteriormente, pôde-se provar empiricamente que o “caráter técnico e a qualidade das decisões” representam a segunda maior vantagem da arbitragem para os entrevistados12. Como são escolhidos pelas partes, os árbitros de determinada arbitragem podem ser especialistas na área de conhecimento que constituirá o objeto central da disputa. O próprio parágrafo sexto do art. 13 da Lei de Arbitragem estatui que o árbitro deve proceder com “competência”, aí entendida aptidão técnica e não o conceito clássico de medida de jurisdição13.
Assim, por exemplo, num conflito relacionado, v.g., à exploração de uma bacia de petróleo, pode-se nomear como árbitro um engenheiro ou advogado com larga experiência e expertise técnica na indústria de óleo e gás. Da mesma maneira, se o caso tratar de matéria de mercado de capitais, poder-se ia pensar na indicação de pessoa com prática extensiva no setor bancário e/ou de valores mobiliários. Pode- se pensar, ainda, numa disputa envolvendo um contrato administrativo complexo, em que as partes possam eleger como árbitros notórios especialistas em direito administrativo ou pessoas com larga experiência profissional na administração
10 XXXXXX, Xxxx. Arbitragem nos litígios administrativos. Revista de direito administrativo. Rio de Janeiro: FGV, n. 210, out./dez. de 1997, p. 115.
11 Também nesse sentido, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx afirma que “basta que o Estado motive seu ato nesse fator (celeridade) para justificar a escolha pela arbitragem, pois é notório que o processo judicial demora muito para chegar ao final” (XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxx. Arbitragem e Estado: ensaio sobre o litígio adequado. Revista de arbitragem e mediação. São Paulo: RT, a. 11, v. 45, abr./jun. de 2015. Disponível em: xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx. Acessado em: 19.05.2017).
12 xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/XXX/Xxxxxxxx_XXXx-Xxxxx-xxxxx.xxx. Acessado em 19.05.2017.
13 O texto do mencionado parágrafo sexto do art. 13 é o seguinte: “No desempenho de sua função, o árbitro deverá proceder com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição”.
pública, inclusive de agências reguladoras. Lembre-se, ainda, de casos envolvendo questões técnicas complicadas, em que o painel arbitral pode ser formado por engenheiros, economistas etc.
Todos os envolvidos no litígio possivelmente sairão ganhando, em todos estes exemplos, com um corpo de árbitros que possa, efetivamente, conhecer em detalhes aquela área do conhecimento e contribuir, assim, para a melhor solução do litígio. A familiaridade do árbitro com a matéria objeto do conflito permite não só a prolação de decisões melhores sob o ponto de vista técnico – reduzem-se as chances de erro – como também de decisões mais rápidas, o que, evidentemente, aponta no sentido dos interesses maiores da Administração Pública14.
Observe-se que a redução das chances de erro na solução do conflito de interesses também reduz o risco contratual, o que potencializa as chances de o contrato atingir a sua finalidade, incentivando as partes a cumprir rigorosamente o ajuste de vontades e, assim, reduzindo, novamente, os custos de transação associados à necessidade de fazer cumprir o combinado. A redução das chances de erro cria nas partes a perspectiva de que eventuais deslizes serão, com certeza, identificados e punidos, o que cria um incentivo negativo ao descumprimento15, permitindo maior eficiência na circulação de riquezas, o que interessa sobremaneira também aos entes públicos. Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx relacionam a especialidade do árbitro com a redução do risco contratual:
“A especialização permite, assim, a redução dos erros nas decisões arbitrais. Em tese, apesar de todos os procedimentos estarem sujeitos a erros, a probabilidade e o árbitro especializado decidir de forma equivocada, por não conhecer a matéria discutida, é menor. A redução da probabilidade de erro na decisão reduz o risco da relação contratual, tornando o contrato mais atrativo para as partes e todo o mercado”16.
14 Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx também relaciona a qualidade dos árbitros à celeridade do procedimento: “Em resumo, a arbitragem pode ser um instrumento extremamente útil para assegurar a regularidade na execução de serviços públicos concedidos, na medida em que permite que se chegue rapidamente à composição dos conflitos, mediante decisão tomada por quem seja um expert no específico assunto controvertido, sem qualquer risco de sacrifício do interesse público, que ficará sempre resguardado” (DALLARI, Xxxxxxx Xxxxx. Arbitragem na concessão de serviço público. Revista de informação legislativa. Senado Federal: Brasília, a. 32, na. 128, out./dez. de 1995, p. 66).
15 Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx também consideram que a arbitragem pode incrementar as chances de adimplemento contratual: “A maior eficiência da arbitragem na solução de disputas cria incentivos para o adimplemento das obrigações contratuais pelas partes” (PUGLIESE, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx. XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. A economia da arbitragem: escolha racional e geração de valor. Revista DIREITO GV. São Paulo: FGV, n. 4(1), jan./jun. de 2008, p. 29).
16 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx. XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. A economia da arbitragem: escolha racional e geração de valor. Revista DIREITO GV. São Paulo: FGV, n. 4(1), jan./jun. de 2008, p. 20.
A IMPARCIALIDADE E NEUTRALIDADE DOS ÁRBITROS
Deve-se mencionar, ainda, a imparcialidade como significativa qualidade da arbitragem. Esta qualidade se revela sobremaneira importante em litígios internacionais, quando estão em confronto partes advindas de diferentes países, o que em muito interessa à Administração Pública quando atua, como cada vez mais tem ocorrido, como agente do comércio internacional, interessada em atrair para o seu território atuação e investimentos estrangeiros. Nestes casos, é natural que a parte do país A não se sinta confortável de litigar contra a parte do país B perante o Poder Judiciário deste mesmo país B17.
Assim, há situações em que o Estado não quer se submeter à jurisdição estrangeira e o particular, por outro lado, não quer se submeter à jurisdição estatal do território do ente público contratante. Conforme explicam Xxxxxx X. X. Xxx, Xxxxxx
A. Mistelis e Xxxxxx X. Xxxxx: “the state is not willing to submit to a foreign court, and the foreign investor is not prepared to accept the jurisdiction of courts of the state party where it may not get a fair trial”18. Também assim, Xxxxxxx Xxxxxxxxxx afirma que “desde el punto de vista del inversionista privado, aunque no se pueda decir con certeza que las cortes nacionales sirven los intereses del Estado donde se hallen, hay una fuerte presunción de que éste sea el caso”19. A arbitragem representa, na verdade, um “foro neutro”, sendo certo que esta característica pode muito bem eliminar perspectivas negativas de ambas as partes, abrindo caminho para a solução adequada de um eventual conflito20.
Não custa lembrar, também, que há diversas situações, relacionadas à questão da imparcialidade do árbitro e do receio de se submeter ao Poder Judiciário nacional
18 XXX, Xxxxxx X. X. MISTELIS, Loukas A. XXXXX, Xxxxxx X. Comparative international commercial arbitration. The Hague: Xxxxxx, 0000, p. 733.
19 XXXXXXXXXX, Xxxxxxx. La jurisprudencia arbitral de la CCI relativa a los contratos de Estado. Revista de arbitragem e mediação. São Paulo: RT, a. 1, v. 2, mai./ago. de 2004. Disponível em: xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx. Acessado em: 19.05.2017.
20 Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxx Salama lecionam, a este respeito, que “em relações comerciais internacionais, por exemplo, existe temor de que as cortes estatais favoreçam a parte nacional em detrimento da parte estrangeira”, razão pela qual “a possibilidade de determinar, contratualmente, que a arbitragem ocorra em jurisdição estranha às partes faz com que cada uma delas retire de seus custos a parcela correspondente ao risco de litigar em ambiente jurídico desfavorável” (PUGLIESE, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx. XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. A economia da arbitragem: escolha racional e geração de valor. Revista DIREITO GV. São Paulo: FGV, n. 4(1), jan./jun. de 2008, p. 20).
– qualquer que seja o País –, em que a previsão da via arbitral é exigência para concessão de financiamento privado internacional, ou seja, a arbitragem pode funcionar como mecanismo de atração de investimento estrangeiro em favor dos projetos estatais.
Xxxxxx Xxxxxxxxxx considera que “a estipulação de cláusula compromissória, frequentemente, atende à necessidade de se conferir maior segurança aos parceiros privados da Administração, que, de outro modo, receosos da morosidade e falta de especialização técnica por parte do Poder Judiciário, dificilmente estariam dispostos à realização de vultosos investimentos no Brasil, mormente em empreendimentos cuja complexidade e prazo de maturação englobam altos riscos para os investidores”21. Compartilhando desta posição, cite-se a lição de Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx:
“Também a facilidade de obtenção de crédito perante organismos internacionais, que exigem a adoção da arbitragem como condição para a concessão do financiamento, parece ser um fator que, por si só, justifica a escolha da arbitragem, mas apenas na medida em que o custo desse financiamento for vantajoso (ou estratégico) para a realização de obras públicas, a ponto de suprir, com folgas, o custo da própria arbitragem”22.
21 O autor prossegue afirmando que “em um país de minguada poupança interna como o nosso, a captação de recursos estrangeiros de há muito deixou de ser uma questão de mera conveniência da Administração, tornando-se um imperativo econômico-social a que uma atuação eficiente por parte do administrador não pode permanecer indiferente”, razão pela qual “a celeridade e a especialização típicas do processo arbitral exsurgem como um valioso contraponto às dificuldades imanentes à jurisdição estatal e um atrativo indispensável aos investidores” (XXXXXXXXXX, Xxxxxx. Alguns aspectos sobre a arbitragem nos contratos administrativos à luz dos princípios da eficiência e do acesso à justiça: por uma nova concepção d que seja interesse público. Revista de arbitragem e mediação. São Paulo: RT,
22 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxx. Arbitragem e Estado: ensaio sobre o litígio adequado. Revista de arbitragem e mediação. São Paulo: RT, a. 11, v. 45, abr./jun. de 2015. Disponível em: xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx. Acessado em: 19.05.2017.
Tanto árbitros quanto o Poder Judiciário julgam a causa com base no direito aplicável à espécie, pautando-se por uma condução independente e imparcial do processo, seja ele judicial, seja ele arbitral. Xxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxxxx entendem que “não se pode presumir que o juízo arbitral seria mais favorável ao particular, também não se pode presumir que o Judiciário tenderia a favorecer o Estado, pois isso seria o mesmo que admitir a completa falência do Estado Democrático de Direito”23.
FLEXIBILIDADE PROCEDIMENTAL DA ARBITRAGEM
– POSSIBILIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVAS COMPLEXAS
Ao contrário do processo judicial, o procedimento na arbitragem é bastante flexível, o que se mostra potencialmente importante na produção de provas complexas, especialmente da prova pericial. Na arbitragem, o perito tem tempo e espaço para preparar uma apresentação demonstrando as conclusões a que chegou. Da mesma forma, os assistentes técnicos das partes também podem preparar estas apresentações.
Ademais, é comum na arbitragem que peritos, assistentes técnicos, advogados das partes e árbitros façam visitas nos campos de obra (algo semelhante ao instituto da inspeção judicial, quase nunca utilizado na seara judicial). As audiências arbitrais podem durar uma semana, o que permite um grande e profundo debate sobre as provas produzidas. Esta oportunidade de investigar em detalhes o trabalho realizado é em regra importante para Administração Pública em disputas sobre contratos de construção.
EXECUÇÃO DA SENTENÇA ARBITRAL NO PLANO INTERNACIONAL
É de se dizer, também, que a adoção da arbitragem pela Administração Pública traz uma outra vantagem pouco percebida na prática. É que a sentença arbitral – muito mais do que a sentença judicial – possui uma ampla aceitabilidade no plano internacional, especialmente em razão da ratificação da Convenção de Nova York de 1958, em vigor em mais de 150 (cento e cinquenta) países.
Isso significa que, caso a Administração Pública se sagre vencedora em alguma arbitragem e tenha que executar a sentença arbitral em face da parte privada em outro país, não há dúvida de que a sentença arbitral possui maior trânsito internacional e maior facilidade de ser reconhecida e executada em outros países do que a sentença judicial, o que traz para a Administração Pública maiores chances de
23 XXXXXXXX, Xxxxx. XXXXXXXX, Xxxxxxxx. Interpretação do critério da disponibilidade com vistas à arbitragem envolvendo o Poder Público. Revista de arbitragem e mediação. São Paulo: RT, a. 11, v. 41, abr./jun. de 2014. Disponível em: xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx. br. Acessado xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx. Acessado em:19.05.2017).
satisfação do seu eventual direito de crédito e concretiza, assim, o princípio da eficiência. Expressamente neste sentido, confira-se a lição de Xxxxx Xxxx Xx.:
“De outra banda, saindo o parceiro público vencedor da demanda arbitral travada contra o investidor estrangeiro, seu título executivo poderá beneficiar-se da vasta rede de tratados e convenções que facilitam a circulação internacional das sentenças arbitrais, dentre os quais se destaca a Convenção da ONU sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras (Nova York, 1958)”24.
ARBITRAGEM NÃO É PARA QUALQUER LITÍGIO ENVOLVENDO A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Estabelecidas, em linhas gerais, as vantagens de que goza a arbitragem em confronto com o contencioso judicial, impõe-se alertar que ele não constitui uma solução para todo e qualquer conflito envolvendo a Administração Pública. De fato, é comum se verificar toda a sorte de vozes que se elevam para defender a arbitragem como forma de solução de qualquer tipo de litígio, inclusive de natureza trabalhista ou consumerista, independentemente das partes que se situem nos polos das contendas e dos valores em disputa.
O exercício desse tema tem demonstrado, ao revés, que a arbitragem, pela complexidade da estrutura necessária para colocá-la em prática e pelos custos do procedimento – que analisaremos com mais detalhes no capítulo seguinte – só se revela interessante e economicamente viável para litígios superiores a um determinado valor e envolvendo matérias de uma complexidade que desborde do contencioso normal, típico do dia-a-dia da Administração.
Por isto mesmo, afigura-se altamente recomendável, na redação das cláusulas compromissórias, atentar para o acima, adotando-as somente se, além de as circunstâncias da contração recomendarem a adoção dessa forma de solução de litígios houver a expectativa de litígios que ultrapassem, pela sua natureza e valor, elementos que qualifiquem os litígios normais e corriqueiros que o poder público costuma enfrentar nos tribunais. Não é, assim, qualquer contrato de fornecimento de bens ou de prestação de serviços que deverá conter cláusula compromissória, entre outros porque nenhum ente da federação teria estrutura para conduzir eficazmente centenas ou milhares de arbitragens ao mesmo tempo.
Exemplo dessa preocupação pode ser encontrado no produto das atividades do Grupo de Trabalho criado pela Res. 3929 de 187.08.16 do Procurador-Geral do Estado do Rio de Janeiro, que tivemos a honra de presidir, e que produziu minuta de decreto cujo propósito é a regulamentação da adoção de arbitragem para dirimir os conflitos que envolvam o Estado do Rio de Janeiro ou suas Entidades.
24 XXXX, Xxxxx. Sinal verde para a arbitragem nas parcerias público-privadas (a construção de um novo paradigma para os contratos entre o estado e o investidor privado). Revista brasileira de arbitragem. The Hague: Kluwer, a. 2, v. 8, 2005, p. 31. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx. Acesso em: 19.05.2017.
Tal minuta, atendendo à preocupação que deve reger a inserção de cláusula arbitral em contratos da administração, deixa claro, em seu Art. 3º, que só poderão conter cláusula compromissória os contratos de concessão de serviços públicos, de concessões patrocinadas e administrativas e os contratos de concessão de obra. Outros contratos só poderão prever a arbitragem como forma de solução de litígio se o respectivo valor exceder R$ 20.000.000,00.
Dentro dessa linha, e sendo cediço que em qualquer circunstância é importante que o administrador público venha a sopesar outros elementos que poderão nortear a sua decisão de aceitar ou fazer inserir em contrato a cláusula compromissória, se faz adequada a análise de outros aspectos que poderão constituir aspectos importantes na hora de ser tomada tão importante decisão. Estes outros pontos são abordados a seguir.
CUSTO DA ARBITRAGEM
Estabelecida a premissa de que a arbitragem só faz sentido em litígios estratégicos ou de alto valor, elemento importante a ser considerado na opção por esta modalidade de solução de litígios é a previsão de custo. Diz-se que a arbitragem tem um custo maior que o processo judicial, onde, além disso, a Fazenda Pública goza de prerrogativas, podendo, neste último caso, recolher as mesmas ao final. Na verdade, entendemos não ser bem assim.
O custo para iniciar uma arbitragem (taxa de registro da instituição arbitral, taxa de administração da instituição arbitral e honorários dos árbitros) possui um valor nominal imediato mais elevado do que aquele necessário ao ajuizamento de uma demanda judicial. Este valor nominal mais elevado, porém, pode representar economia para as partes caso diluído no tempo em que normalmente costuma durar um processo judicial, pois haveria redução dos juros e acréscimos legais, bem como a eliminação do custo de gestão do processo por longos anos.
Não há, porém, uma pesquisa a este respeito, com base em casos concretos e estatísticas confiáveis. É comum, em arbitragens envolvendo a Administração Pública, que o particular seja obrigado a adiantar todo o custo da arbitragem, podendo ser ressarcido, ao final da arbitragem, caso se sagre vencedor. É o que dispõe, por exemplo, o Enunciado nº 4 da Resolução Administrativa 03/2014 do CAM-CCBC (Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil Canadá).
Hoje, também, mercê da maior sucumbência que pode haver em um processo judicial, este cenário pode se inverter. Outro ponto a ser considerado envolve, como dito acima, a taxa de juros. A prática nos mostra que ao longo dos últimos anos os juros passaram a ser um componente importante da condenação em um processo judicial, sendo comum que suplantem em diversas vezes o valor do principal corrigido. Como a arbitragem é mais célere, mesmo para a parte que se vê derrotada no certame o custo acaba sendo menor do que em um processo judicial.
Questão a ser igualmente considerada no cômputo das despesas envolvendo o procedimento arbitral diz respeito à possível ausência de honorários de sucumbência na arbitragem e a dificuldade de aferição de despesas com pagamento dos advogados públicos. Como se sabe, no âmbito judicial, em diversas esferas da
federação fazem os advogados públicos jus ao recebimento de honorários de sucumbência quando a administração pública se sagra vencedora nas causas em que é parte, sendo certo que em muitos entes públicos esta verba representa porção importante da remuneração dos advogados públicos.
Na arbitragem, a Lei nº 9.307/1996 não impõe a condenação em honorários de sucumbência, mas as partes podem convencionar a sua incidência na convenção de arbitragem ou no termo de arbitragem. Se por um lado, a ausência de honorários de sucumbência pode prejudicar a remuneração dos advogados públicos quando o Estado se sagra vencedor, por outro lado isso reduz a condenação do Estado no caso de o ente público sair sucumbente.
Por outro lado, é comum em arbitragens que exista o reembolso à parte vencedora das despesas e dos honorários de advogado que teve que despender ao longo do procedimento. Esta aferição se faz por vezes difícil em arbitragens em que a administração pública logra se sagrar vencedora, já que o respectivo procurador é remunerado pelos vencimentos que lhe são pagos independentemente da circunstância de ter atuado ou não naquela arbitragem. Por isto mesmo, a necessidade de cobrar esses valores imporá à administração um exercício complexo para demonstrar os custos incorridos com os advogados públicos que funcionaram na arbitragem, com vistas ao ressarcimento a que – quando vencedora - faz jus.
Todos estes fatores, como é intuitivo, podem ser importantes ao se considerar a
Todos estes fatores, como é intuitivo, podem ser importantes ao se considerar a conveniência de se aceitar a inserção de cláusulas compromissórias em contratos administrativos. Todavia, parecem ser de menor relevância se comparados às vantagens que a existência da cláusula arbitral nos contratos poderá trazer.
AUSÊNCIA DE PRIVILÉGIOS PROCESSUAIS NA ARBITRAGEM
No processo judicial a Administração Pública detém uma série de privilégios
– reduzidos no novo CPC, mas ainda expressivos. A sua ausência na arbitragem é elemento importante e como tal há de ser considerado.
Ao contrário do que ocorre no processo judicial, em que o Estado pode contar com uma série de privilégios processuais (prazo em dobro para se manifestar, intimação pessoal em alguns casos, reexame necessário, limitação do pagamento de honorários de sucumbência), na arbitragem o Estado possui exatamente as mesmas prerrogativas do particular. Isto pode constituir a princípio, uma desvantagem da administração em confronto com o processo judicial. Não obstante, o que se vê é que os prazos na arbitragem são mais largos do que aqueles fixados no Código de Processo Civil, muitas vezes de 60 dias ou mais, de modo que a ausência do privilégio do prazo em dobro na arbitragem pode não impactar negativamente na situação processual do Estado.
Quanto à intimação pessoal, a verdade é que nem todos os entes públicos contam com este privilégio, razão pela qual não há diferença para estes em relação ao processo arbitral. No que tange aos entes públicos que detêm este privilégio –
como a União Federal, por exemplo –, vale dizer que as intimações na arbitragem são feitas também de forma pessoal (ou seja, não se dão por publicação no Diário Oficial), por e-mail e por correspondência enviada ao endereço da parte, de modo que também não há aqui sensível prejuízo para o Estado. O Decreto 8.465/15 expressamente prevê no § 1º do Art. 10 que as comunicações se farão de forma pessoal.
Acerca da irrecorribilidade, como não há recurso contra as decisões arbitrais
– à exceção do pedido de esclarecimentos –, o Estado precisa considerar que, se estiver em uma posição de vantagem, poderá usufruir do bem jurídico que persegue com mais rapidez, mas é também verdade que quando perde, poderá aflorar no caso específico a percepção de que a opção pela arbitragem lhe terá sido prejudicial.
Ainda dentro desse contexto, emerge a consideração acerca da inexistência na arbitragem no instituto da SUSPENSÃO DE SEGURANÇA, poderoso instrumento disponível nos processos judiciais e que não se aplica à arbitragem. Como se sabe, o instituto se apresenta como um incidente processual que se manifesta por uma defesa impeditiva na qual o ente público se dirige ao Presidente do Tribunal visando suspender a eficácia de uma decisão para, com isto, estancar a eficácia mandamental ou executiva de uma decisão desfavorável ao poder público que represente perigo de lesão a valores atinentes à ordem, economia, saúde ou segurança pública. Inicialmente se aplicava apenas ao mandado de segurança, hoje seu uso foi ampliado para abranger qualquer decisão que contenha efeitos imediatos, não sujeitos a efeito suspensivo, contra a Administração.
Aqueles que militam do lado da Administração Pública no contencioso judicial sabem que em muitas circunstâncias, particularmente quando os recursos ordinários não apresentam em tese viabilidade para reverter uma decisão desfavorável, a suspensão de segurança tem constituído uma técnica importante e muitas vezes decisiva aos olhos do administrador. Como não se aplica à arbitragem, é um elemento a ser considerado quando da opção, em certas circunstâncias, pela cláusula arbitral.
A PREOCUPAÇÃO COM A FORMAÇÃO DOS ADVOGADOS PÚBLICOS PARA A ARBITRAGEM
É comum entre os defensores da arbitragem pugnar pela imediata aplicação do instituto a todos os entes da federação – união, estados e municípios – de uma só tocada, com a inclusão em todos os contratos que vierem a ser firmados de cláusulas compromissórias. Outros tantos defendem a adoção de compromisso arbitral para os litígios que vierem a surgir de forma indiscriminada. Entendemos que esta não é a melhor metodologia. A prática da arbitragem exige um conhecimento específico que, em regra, não integra a formação do advogado público. Desta forma, a submissão do Estado à arbitragem exigirá dos advogados públicos familiaridade com o processo arbitral e uma formação complementar, que não se dá do dia para a noite.
Atuar como advogado em procedimentos arbitrais exige conhecimentos específicos sobre a forma de peticionamento, conduta em audiências e conhecimento
da legislação, doutrina e jurisprudência arbitrais específicas. Também impõe o conhecimento de expedientes anteriores à instauração da arbitragem, como a confecção de cláusulas arbitrais (cláusula compromissória e compromissos arbitrais) e métodos para a escolha de árbitros, entre outros.
De outro lado, o procedimento arbitral, pela sua celeridade, concentra em menos tempo os passos inerentes a um processo judicial e, com isto, impõe grande dedicação dos procuradores que nele atuam, tornando virtualmente impossível a atuação competente de um único profissional em centenas de casos concomitantemente, como é comum nos acervos judiciais atribuídos aos advogados públicos.
Tudo isto revela que a transição para a prática arbitral, conquanto desejável e vantajosa, tal como vimos acima, exige que o ente público possa se adaptar a esta nova realidade, inclusive mediante a capacitação de equipe que possa desempenhar com qualidade e eficiência os novos encargos decorrentes desse câmbio25.
Se é fácil perceber que o novo cenário pode configurar uma série de desafios para a União e os estados e municípios mais importantes, imagine-se a dificuldade de uma migração drástica para os estados mais pobres e para os milhares de municípios do país, a maioria dos quais desprovidos da necessária infraestrutura para se adequar a esta nova realidade. Por isto tudo, e para se assegurar que a adoção da arbitragem seja efetivamente um sucesso e não um tiro n´água, é fundamental que a inserção de cláusulas compromissórias nos contratos públicos se dê de forma responsável e até mesmo gradual, a fim de que os entes públicos estejam, efetivamente, em condições de enfrentar os particulares em igualdade de condições e com a desejada eficiência.
CONCLUSÃO
As qualidades da arbitragem, em conjunto ou separadamente, explicam o acerto, em abstrato, da decisão política de se incentivar o seu uso nos conflitos envolvendo entes públicos e, mais que isso, constituem fundamento suficiente para que, no plano concreto, o administrador público possa justificar a opção pela arbitragem nos casos em optar por esse caminho26. Afigura-se correto, portanto,
25 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx assim também alertava: “A participação da Administração Pública na arbitragem exige atenção dos operadores. Interessa a toda a sociedade que o Estado utilize este poderoso mecanismo de solução de controvérsia, mas é preciso reconhecer que as entidades públicas, de maneira geral, deverão preparar-se de modo adequado para enfrentar um processo que não conhecem.” (XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Arbitragem e administração pública – primeiras reflexões sobre a arbitragem envolvendo a administração pública). Revista brasileira de arbitragem. The Hague: Kluwer, n. 51, jul/set 2016, pág. 21.
26 Xxxxx Xxxx Xx. xxxxxx as seguintes vantagens da arbitragem para a Administração Pública: “Na análise de custo-benefício subjacente à concretização do princípio da eficiência, tanto de uma perspectiva instrumental como pluridimensional, justificasse o recurso à arbitragem porque, em princípio: (i) menos tempo será despendido na solução da controvérsia (evitando a eternização de demandas, tão comum nas lides que envolvem o Poder Público);
dizer, na linha do ensinamento de Xxxx Xxxx, que “não só o uso da arbitragem não é defeso aos agentes da administração, como, antes, é recomendável, posto que privilegia o interesse público”27.
Não é, porém, todo negócio celebrado pela administração que comporta a inserção de cláusula compromissória. Embora o instituto tenha certamente muito mais vantagens do que desvantagens, ele não se presta, como vimos, a qualquer contrato e não se afigura como substituto indiscriminado do contencioso judicial. Vale, portanto, para contratos complexos, de alto valor, em que o estado vislumbre, particularmente na hora de contratar, uma forma de atender a preocupações do particular para, com isto, reduzir custos de contratação, afirmar a sua boa-fé e marcar a transparência do processo de contratação.
(ii) as partes obterão uma decisão mais especializada, tendo em vista a presumível adequação entre a natureza da demanda e as qualificações pessoais dos árbitros escolhidos;
(iii) manter-se-á um clima mais cooperativo entre os contratantes, pois a via arbitral pressupõe nível mais reduzido de litigiosidade das relações.” (XXXX, Xxxxx. Sinal verde para a arbitragem nas parcerias público-privadas (a construção de um novo paradigma para os contratos entre o estado e o investidor privado). Revista brasileira de arbitragem. The Hague: Kluwer, a. 2, v. 8, 2005, p. 22. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx. Acesso em: 19.05.2017).
27 GRAU, Xxxx Xxxxxxx. Da arbitrabilidade de litígios envolvendo sociedades de economia mista e da interpretação de cláusula compromissória. Revista de direito bancário e do mercado de capitais. São Paulo: RT, a. 5, v. 18, out./dez. de 2002. Disponível em: xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx. Acessado em: 19.05.2017.